terça-feira, 13 de outubro de 2009

O caso do Manuel

“ O Manuel tem agora 12 anos. Foi abandonado à nascença. A mãe prostituta, deixou-o numa “colega reformada” e desapareceu de vez.
Manuel viveu numa sequência de abandonos até aos três anos, altura em que foi encontrado na rua, a comer de um balde de lixo. Durante dois anos permaneceu num Centro de Acolhimento à espera de uma família de adopção, o que aconteceu aos cinco anos.
Vi-o com dez anos, após um surto de comportamentos violentos e incontroláveis na escola do ciclo que frequentava.
Na primeira consulta, ele explica: “Sabe, doutora, tenho duas coisas dentro de mim. Uma que me diz: “porta-te bem, está com atenção nas aulas! E outra que diz: manda as professoras à merda! Chama-lhes putas! Vai para cima da árvore fumar!” – Esta é a que ganha sempre!
Ganha o ódio sobre o amor que ficou em défice durante os primeiros cinco anos de vida. Os pais adoptivos conseguem devolver-lhe o estímulo pela vida e um equilíbrio precário durante o tempo da escolaridade primária. Aprendeu bem, mas a transição para o ciclo com cenários de novas exigências e desprotecção trazem o retorno do negativo.
Nas sessões de psicoterapia o Manuel tem três a quatro minutos de comunicação em “momentos depressivos”, seguidos de 30 minutos de agir turbulento e violento em actos e palavras.
Os progressos são lentos, apesar da ajuda aos pais em consultas terapêuticas regulares”.


In Histórias de Desencantar – Os Afectos da Inquietude
De Paula Torres de Carvalho e Teresa Ferreira,
Ancora Editora.

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